Evocar os setenta e cinco anos do Colégio de São João Brito exige relembrar os princípios e valores que estão na origem deste colégio jesuíta de excelência, herdeiro e continuador de uma tradição pedagógica com quase cinco séculos.

A Companhia de Jesus foi fundada em 1534 por um grupo de sete estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo nobre soldado basco Inácio de Loiola (1491-1556)[1] que, desde logo, viu a educação como um meio de transformar o mundo e criar um futuro de esperança. Dez anos depois desse momento fundador, a primeira escola jesuíta foi inaugurada em Messina, Sicília[2]. No final do Século XVI os Jesuítas tinham já publicado o seu método oficial de educação, considerado o primeiro sistema de ensino em todo o mundo. No século XVIII, além das muitas centenas de seminários e quinze universidades, os Jesuítas dirigiam seiscentas e quarenta escolas em diversos países.

Segundo o atual Superior-geral da Companhia de Jesus (P. Arturo Sosa, sj), através destas escolas, a Companhia de Jesus criou um modelo educativo enraizado na tradição humanista da Renascença, convicta de que, ao educar o carácter individual para o bem comum, se cumpriria uma importante tarefa apostólica. Ao aperceber-se de como a educação podia tocar o coração dos indivíduos, transformou a cura personalis (isto é, o cuidado com a pessoa inteira, marca principal da espiritualidade inaciana) na característica definidora do seu modelo educativo. Esta cura personalis é ainda hoje o mote das principais instituições de ensino de matriz jesuítas, ao qual se junta o exercício constante do discernimento e a crença na inalienável liberdade de cada ser humano. Com um percurso tão turbulento quanto influente, a Companhia de Jesus manteve-se sempre, ao longo de quase 500 anos de história, na vanguarda da educação, destacando-se as missões na Amazónia e a alfabetização indígena (contribuindo decisivamente para a disseminação da língua portuguesa no Brasil, com ênfase no trabalho do P. António Vieira e os seus sermões). Quase sempre gratuitas, as escolas jesuítas foram, sobretudo no início, um caso paradigmático de mistura social influenciando a educação de nobres, burguesia e classes populares.

Em Portugal, a Companhia de Jesus instalou em 1553 a primeira instituição de ensino gratuito em Portugal, o Colégio de Santo Antão o Novo (atual Hospital de São José) que funcionou até à expulsão pelo Marquês de Pombal, em 1759. A influência que os Jesuítas então exerciam na vida política, social, educativa e espiritual do nosso país criaram animosidades e desconfiança quanto ao impacto dos seus ensinamentos. Além da famosa Aula da Esfera, que dava a conhecer as últimas novidades científicas, ali se ensinavam as Ciências e Matemática, o Latim, Gramática, Humanidades, Retórica, Teologia e Filosofia, um programa único no contexto português. Em 1858 a Companhia de Jesus regressa ao País e funda o Colégio de Campolide (atual Universidade Nova de Lisboa) e o Colégio de São Fiel (1863-1910) na Serra da Gardunha, destacando-se pelo museu zoológico, o laboratório de química, o gabinete de física e o Observatório Meteorológico. Ali estudou António Egas Moniz e foi fundada a revista Brotéria em 1902. Mais tarde, na sequência da implantação da República e a expulsão das ordens religiosas, a Companhia teve novamente de deixar Portugal em 1911. Parte dos padres do Colégio de Campolide vai para a Bélgica e aí funda o Instituto Nun’Álvares (INA) para alunos portugueses. Depois de uma passagem pela Galiza, o INA regressa em 1932 e instala-se no antigo Hotel das Caldas da Saúde, perto de Santo Tirso, ficando assim conhecido até hoje como o Colégio das Caldinhas. Fundou ainda, em 1954, o Colégio da Imaculada Conceição (CAIC) em Cernache (Coimbra), encerrado em 2019. Atualmente a Província Portuguesa da Companhia de Jesus mantém o Colégio das Caldinhas e o Colégio de São João de Brito fundado em Lisboa em 1947. Colabora ainda com o Colégio Pedro Arrupe[3] em Lisboa.

O Colégio de São João de Brito, o nosso Colégio, que este ano celebra 75 anos, é herdeiro de todo esse passado e não foi alheio aos vários contextos históricos, políticos e sociais pelos quais passou. Instalado em 1947 na Quinta da Alameda (à entrada de Lisboa), pertencente então à família Stromp, o Colégio deve o nome ao missionário mártir do Oriente (João de Brito) canonizado no mesmo ano. Na fotografia da primeira turma de onze alunos rapazes destaca-se José Carlos Ary dos Santos. Três anos depois, em 1950, começava a construção do novo edifício para seiscentos alunos.

Fundado precisamente numa altura de crise europeia do pós Segunda Guerra Mundial, em que, depois das trevas e do sofrimento, se vivia um profundo anseio de esperança, renovação e paz, o Colégio soube estar atento ao mundo e às suas mudanças. No caminho entre a ditadura e a democracia em Portugal, com a Revolução de 74 pelo meio, a conquista dos direitos das mulheres (às quais abriu as portas logo em 1976), a sombra do passado colonial e a entrada na comunidade europeia e, mais recentemente, com a crise dos refugiados, a pandemia e a guerra na Ucrânia, o Colégio – por onde já passaram cerca de onze mil alunos, manteve um caminho de coerência firme à sua missão de acolher e Educar para Servir. 

A procura da excelência humana integral reflete-se ainda na aposta no desporto, visível na evolução das instalações desportivas ao longo dos anos, dos vários campos de futebol às piscinas, à dinamização das equipas e torneios de andebol, voleibol e outras modalidades, sem esquecer a anual festa das famílias. Se só a excelência humana dá sentido à excelência académica, hoje o Colégio de São João de Brito reafirma o compromisso com a vida ativa, de preparar homens e mulheres para os outros e com os outros, incutindo-lhes os valores do trabalho, da honra e do espírito de amizade e fraternidade; promovendo a sustentabilidade, evitando o desperdício e remando contra a superficialidade vã. Se a infância a todos marca, acompanhando o adulto que se será, é a educação que ajuda a desenvolver a personalidade de cada um, transformando vidas. Todo o percurso individual é um permanente somar de influências, uma cerrada e constante triagem de vivências que terá como resultado uma identidade única que tanto mais sobressairá da mediania quanto mais rica for a interação entre experiências vividas e aprendizagem. Centrada na formação integral de cada pessoa, seguindo um caminho de rigor e profundidade, confiança no homem e fé em Deus, só a inquietação e abertura ao outro, à diferença, em constante diálogo intercultural, pode explicar que o método pedagógico criado pelos Jesuítas tenha marcado e ajudado a formar personalidades tão diversas como Voltaire, James Joyce, Almada Negreiros, Hitchcock ou Fidel Castro.

Que estes 75 anos do Colégio, celebrados durante o pontificado de Francisco (primeiro Papa jesuíta na história da Igreja Católica), honrem a história e o legado de João de Brito, formando homens e mulheres descobridores de mundos e portadores de esperança.

[1] Diz-se até que a figura e história de Santo Inácio inspirou Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, também ele educado numa das primeiras escolas jesuítas.

[2] Por altura da morte de Inácio em 1556, contavam-se trinta e cinco colégios jesuítas sob sua supervisão.

[3] Colégio privado de inspiração inaciana, da iniciativa do Grupo Alves Ribeiro motivada por um grupo de antigos alunos do Colégio de São João de Brito.

 

Autora: Filipa Iglésias Rosa