Nem soube bem como reagir quando recebi o convite para integrar a Direcção Artística da Jornada Mundial da Juventude 2023. A Matilde Trocado é uma relevantíssima encenadora portuguesa com quem já tinha tido oportunidade de aprender quando actuei nos musicais “Caderno de Exercícios”, em 2015, e “Calcutá”, em 2016, mas trabalhar assim com a Matilde num projecto tão significativo parecia-me algo inalcançável.

Não bastava sentir-me pequena para esta função, também o meu ano parecia não reunir as condições necessárias para que pudesse seguir em frente nesta aventura: além de estar a trabalhar a tempo inteiro, casaria e viajaria em Junho e no final de Julho lideraria uma experiência de Pedras Vivas (www.pietre-vive.org/), integrada na iniciativa Magis, da Companhia de Jesus (www.magis2023.org/). Apesar de tudo isto, a querida Matilde manteve o seu convite, os meus fantásticos patrões não pensaram duas vezes em ceder-me para esta missão e o resto alinhou-se com a ajuda de pessoas de coração grande.

No dia 31 de Outubro, a Matilde Trocado, o Peu Madureira e eu juntamo-nos pela primeira vez para sonhar os eventos centrais da JMJ: o Acolhimento, a Via-Sacra e a Vigília.

Foi, desde o primeiro segundo, uma constante roda-viva de emoções. Não bastava já ser um encargo incrivelmente desafiante, a maioria das decisões encontrava sempre algum entrave, fosse a nível logístico, económico, diplomático ou de segurança. Compreensível para um evento desta dimensão! Nesta escalada por vezes custosa, o trabalho em equipa foi essencial: todos os que partilhavam connosco o gabinete da Pastoral e Eventos foram companheiros de caminho, de frustrações e de gargalhadas, e a nossa direcção comum foi uma fiel aliada desde o início, sempre me impressionando pela entrega, o esforço, a dedicação, o zelo, a generosidade e a fé que denunciou durante todo o processo.

O processo criativo foi verdadeiramente entusiasmante. Pensávamos nos sons, nas cores, nas formas, desde as músicas aos figurinos, passando pelos textos e pela escolha de artistas, fossem eles músicos, escritores ou pintores. Tanto havia dias angustiantes em que aparentemente nada se tinha decidido, como dias luminosos, tantas eram as ideias que se cruzavam entre as nossas cabeças. Aprendi muito com o “pensar em grande” da Matilde e o “fazer as coisas acontecer” do Peu. Contudo, era sem dúvida a Beleza aquilo que nos unia e revigorava: a vontade de construir algo belo, de revelar que a Beleza é actual e jovem e não ficou esquecida num passado.

Deste modo, nunca descartando magníficas obras-primas que o passado nos ofereceu e fugindo à ilusão de que o que é contemporâneo é superficial e leviano, procurámos abordar a actualidade revelando a tamanha Beleza que a habita. Assim, para contracenar com a tradição patente, por exemplo, em algumas músicas, contámos com músicos dos dias de hoje, artistas plásticos dos dias de hoje, roupas dos dias de hoje e também dançarinos dos dias de hoje, como os do Ensemble23, o grupo que actuou nos eventos centrais e que era composto por 50 jovens amadores de 21 nacionalidades diferentes.

Também contemporâneos foram os temas abordados nos eventos. Para além da evidente alegria, o Acolhimento deu espaço para que se abordassem algumas das inquietações sentidas pelos membros do Ensemble23, através das cartas que leram ao Papa. Partilharam connosco a pobreza em que alguns cresceram, os julgamentos de que eram vítimas nas próprias paróquias, os problemas de ansiedade, entre outros temas, sem, claro, deixarem de reforçar a felicidade que sentiam por ali poderem estar.

Na Via-Sacra, as fragilidades sofridas pelos jovens hodiernos habitaram todo o palco. Num paralelismo com as XIV Estações do caminho de Jesus até ao Calvário, reflectimos sobre a solidão, as doenças mentais, a violência, o individualismo, a intolerância, as dependências, a destruição da Criação, entre outros temas que nos apreendem presentemente, sempre apontando o foco para o amor de Jesus, que nos inspira a superar qualquer adversidade, atravessando-a.

Já durante a Vigília, foi-nos possível testemunhar como o Senhor nos chama constantemente a vivermos para fora, virados para os outros, e como a Sua misericórdia infinita nos levanta sempre que caímos, transformando-nos.

Estar maioritariamente nos bastidores foi uma sensação estranha: a demasiada proximidade dos eventos poderia parecer um luxo, mas muitas vezes acabava por ser um exercício de abnegação, pois normalmente ouvia-se e via-se mal, para além de não ter tido a oportunidade de perceber o que realmente toda aquela massa de jovens estaria a cantar, a dançar, a gritar, a visitar, a sentir, a viver. O mais angustiante foi a sensação de “tão perto, mas tão longe” em relação ao Papa, no palco da Colina do Encontro, por saber que o Santo Padre estava a poucos metros de mim, mas eu nem o conseguia ver, ao contrário das pessoas que por mim passavam para entrar no palco. Felizmente, essa sensação esbateu-se no Campo da Graça e, na última oportunidade, no final do Encontro dos Voluntários, pude apertar-lhe a mão e, num júbilo misturado com cansaço e regado por imparáveis lágrimas, dizer-lhe “Gracias por su coraje!”.

Poder ter tido um bocadinho de responsabilidade naquele que foi o maior evento que alguma vez aconteceu em Portugal foi um enorme privilégio e uma loucura irrepetível. Contudo, aquilo que realmente me consolou foi poder ser um simples instrumento da Beleza de Deus, que é universal, passível de ser apreendida por todos, todos, todos, e capaz de trazer consolo, esperança e alegria até às trevas mais densas.

 

Isabel Maria Mónica (Inha)