Queridos antigos alunos,

Este início de texto já estará seguramente a despertar em alguns de vós a questão: porquê queridos e não caros? Ao longo do texto perceberão o porquê.

Decidi escrever-vos, num misto de partilha e reflexão, algo que todos nós vivenciámos de alguma forma no nosso Colégio, para vos contar uma história.

Começo com a partilha. Para quem não me conhece, sou filho único, casado com uma antiga aluna, também ela filha única, mas com dois filhos (um ainda aluno do colégio e outra já antiga aluna também do nosso colégio). Esta nota inicial tem importância por aquilo que vos escrever em seguida. A história que vos vou contar é uma reinterpretação da parábola do pai misericordioso, mais conhecida por todos como a parábola do filho pródigo. Ora eu, como filho único, até uma idade tardia não consegui “entrar” dentro de nenhuma das personagens desta parábola para melhor a compreender. Não tinha irmãos, não era pai, felizmente nunca me faltou nada, como tal, este texto, que já por si é difícil de entender e ainda mais de aceitar, não me fazia muito sentido. Com o passar dos anos, comecei a entrar dentro das diferentes “personas”. Profissionalmente achava, por vezes, que era o filho mais velho, noutros momentos mais pessoais, achava que era o filho mais novo, pois tinha agido de impulso, de forma errada, atentando contra aqueles me amam mas ansioso pelo seu perdão e pela “reintegração” e mais tarde, como pai de dois filhos passei a compreender perfeitamente o coração bondoso, misericordioso e compassivo daquele pai da parábola. Por isso, acho que consigo explicar agora o resultado desta minha reflexão numa reinterpretação ligada a todos os antigos alunos.

Para os que não se recordam da parábola (Lc 15, 11-32) convido-os a lê-la no Evangelho de Lucas (considerado o livro da misericórdia, da alegria, da solidariedade e da oração).

Imaginemos então o seguinte cenário numa interpretação mais ou menos livre. Era uma vez um pai (Associação dos Antigos Alunos) que tinha 2 filhos (cerca de 11 mil antigos alunos). O mais novo (cerca de 10.000 antigos alunos que nunca foram sócios da Associação ou que, tendo sido, deixaram de pagar quotas e de se interessar pela vida da Associação) e o mais velho (1.000 antigos alunos que sempre foram sócios, pagadores, com esforço por vezes, mas que sempre estiveram lá). Acrescentemos à nossa história mais algumas figuras que por vezes não damos tanta importância no Evangelho de Lucas mas que são também elas personagens interessantes para a nossa história: os empregados (já faremos o paralelismo).

A nossa história é, no entanto, um pouco diferente da narrada por Lucas. No nosso caso o pai está já a conversar com o filho mais velho sobre o filho mais novo que está à porta para entrar.

Filho mais velho – Pai, não percebo qual a razão para agora perdoares a dívida que ele tem para contigo e acolher de novo esse meu irmão. Nuns casos, nunca esteve em casa, noutros esteve mas desprezou a família, deixando de pagar as quotas, só voltou a espaços para pedir alguma coisa (ou porque queria colocar os filhos no colégio, ou porque se queria casar na igreja do colégio) e nessa altura lá pagava o que devia mas depois abalava novamente ou deixava a dívida aumentar sem vontade de a pagar. Porquê agora perdoar?

Pai – Percebo-te bem, mas diz-me…consideras-te uma pessoa justa, bondosa, compassiva e misericordiosa?

Filho mais velho – Claro que sim pai, mas não aceito injustiças. Eu todos os anos paguei os meus 30 € muitas vezes nem beneficiava de nada daquilo que tinhas para me oferecer, mas mantive-me sempre cá, fiel a ti, por vezes até com sacrifício, mas não fui embora, não te abandonei. Achas que é justo agora ele chegar cheio de dívidas, perdoares-lhe tudo e aceitá-lo de volta? Onde é que isso me coloca?

Pai – Tal como te disse, compreendo-te bem, mas deixa-me perguntar-te outra coisa, enquanto cá estiveste comigo os teus 30 €/ano ajudaram outros antigos alunos a ter bolsas de estudo, as obras da companhia de Jesus também foram ajudadas, algumas famílias de antigos alunos foram também auxiliadas, não achas que o que fizeste, foi para um bem maior?

Filho mais velho – Claro que sim, por isso cá fiquei. Mas se ele também cá estivesse teríamos conseguido dar mais bolsas de estudo, ajudado mais famílias, apoiado as obras da companhia de Jesus com mais coisas, e não o fizemos.

Pai – Estás novamente certo, mas a tua estadia por cá, permitiu que todos estes que ajudámos (os tais empregados da história relatada no Evangelho de Lucas que tinham emprego, comida e onde dormir) por pouco que tenha sido o apoio que lhes demos sempre foi melhor do que nada.

Filho mais velho – Isso é verdade, mas podíamos ter feito tanto mais. Por isso não lhe podes perdoar a dívida até porque se ele quer voltar, tem que, no mínimo, cumprir aquilo que eu andei a cumprir todos estes anos.

Pai – Diz-me uma coisa, se o teu irmão estiver aqui contigo a partir de agora, achas que vais conseguir fazer mais?

Filho mais velho – Óbvio, foi o que referi atrás. Se ele cá estivesse, e tivesse pago as quotas, tínhamos feito muito mais do que fizemos.

Pai – E se agora não o deixarmos voltar? Achas que ele vai pagar o que deve?

Filho mais velho – Não.

Pai – Então diz-me, se eu lhe perdoar a dívida e ele agora voltar e começar a pagar, achas que podemos fazer mais?

Filho mais velho – Podemos, mas continuo a achar que é injusto.

Pai – Então imagina o seguinte: temos cerca de 180 mil euros de quotas não recebidas. Mesmo que o teu irmão regresse e pague apenas 10% disto (18 mil euros) continuamos sem receber os 162 mil euros, certo?

Filho mais velho – Certo.

Pai – Então e se eu lhe disser, pagas apenas 18 mil euros e eu perdoo-te 162 mil euros e ele voltar? Sempre recebemos 18 mil euros e sempre o teremos connosco para o futuro. Caso contrário não receberemos nada e tu não terás o teu irmão contigo nunca mais e nem eu terei o meu filho de volta.

Filho mais velho – Isso é verdade. Mas continuo a achar que é uma injustiça.

Pai – Mas diz-me, tu deixaste de ter alguma coisa da minha parte porque o teu irmão não pagou?

Filho mais velho – Não.

Pai – Eu sei que é difícil de aceitar por todos nós, que nos consideramos superiores, corretos, obedientes e cumpridores que todos os outros o não sejam, mas não devemos nós dar-lhes uma segunda, terceira ou até mais oportunidades de voltarem a casa? Se tu um dia saíres de casa (e não interessa o motivo) e te arrependeres não gostarias que eu estivesse sempre de braços abertos para te receber?

Filho mais velho – Gostaria, mas isto pode fazer com que eu me sinta injustiçado e decida deixar de pagar, pois sei no futuro serei perdoado.

Pai – Estás correto novamente. Mas foi assim que eu te eduquei? Atrás disseste-me que te consideravas uma pessoa justa, bondosa, compassiva e misericordiosa essa atitude seria tudo menos isso. Uma coisa te digo, és o meu filho muito querido (ler novamente o primeiro parágrafo do texto), tal como o teu irmão o é, e independentemente daquilo que fizeres o meu coração de pai nunca deixará de te amar profundamente e tudo farei sempre para que voltes para mim.

Na parábola do Evangelho, o filho maior é chamado a participar da festa pelo irmão reencontrado e é chamado principalmente a reconhecer que a sua maior herança e riqueza é justamente participar – procurando fazer sua – desta misericórdia sem fim.

Por esse motivo, a direção da Associação irá reunir esta semana com vista a tomar algumas decisões relativamente às dívidas existentes de antigos alunos e como agir em relação a elas.

Termino deixando a todos um fraterno abraço e esperando que o nosso coração de pai bondoso, misericordioso e compassivo nos ajude a sermos todos os dias melhores pessoas.

 

AMDG

Filipe Farelo

Presidente da direção da Associação dos Antigos Alunos do CSJB