O senhor Padre Manuel — que esta era a simples forma de nome por que era universalmente conhecido nas diversas partes onde decorreu a sua vida de sacerdote — nasceu em S. Tomé de Negrelos, Santo Tirso, a 5 de Dezembro de 1917 e faleceu em Sotelo (Braga) a 7 de Janeiro de 2002.

Fez os estudos de preparação para o sacerdócio, segundo as diversas etapas da formação da Companhia de Jesus, entre San Martim de Trevejo (Espanha) Guimarães, Alpendurada, Braga e Granada. Nesta cidade espanhola recebeu a ordenação sacerdotal em 1949. Foi pedagogo nos nossos colégios durante 27 anos, ministério apostólico a que se entregou com o entusiasmo e a alegria de quem possuía qualidades de docência excepcionais e de vária ordem, mormente em relação aos mais pequenos.
Prendado com uma inventiva e engenhosidade inesgotáveis — ficaram famosas as corridas de automóveis que organizava sobretudo para a pequenada dos primeiros anos do colégio, em carros que ele mesmo construía a partir do motor de qualquer motorizada recolhida da sucata — não tem conto os inventos que todos os dias lhe saíam das mãos.
Depois que deixou a actividade de educador no colégio, passou largos anos adstrito principalmente ao trabalho tão apagado, como abnegado, de ouvir em confissão multidões de fieis que afluem constantemente à Basílica da Póvoa de Varzim. Actividade apostólica esta que nos últimos anos da vida prosseguiu com igual empenho e alegria na Casa da Torre em Sotelo, acorrendo a qualquer hora, logo que solicitado, apesar da pouca saúde dos últimos tempos. Sempre a total disponibilidade no serviço de Deus em seus irmãos, mesmo ao poder de sacrifícios que para outros seriam incomportáveis.
Sofreu nos últimos anos grandes atribulações por causa das graves doenças e sem que se lhe ouvisse um queixume.
Espirito permanentemente juvenil e jovial, pode dizer-se que viveu toda a sua vida de jesuíta entregue à urgência de repartir com os demais essa felicidade profunda que enchia toda a existência.
Daí essa espontaneidade sem reticências com que punha a serviço de todas essas qualidades humanas de que era dotado. Sabia da obrigação, como só os santos, de pôr a render em favor dos demais os talentos que Deus lhe deu, sem cálculos mesquinhos ou vaidades esvaziadoras; apenas como bom administrador dos dons recebidos. Irradiava bondade e simpatia, não como quem procura atrair as atenções sobre a sua pessoa, mas sobre valores mais altos. Por aí se explica a necessidade que tantos com os quais contactara antes, sentiam vontade de vir periodicamente encontrar-se com ele. Vinham reviver a amizade e retemperar o espírito.
Vivia a profissão de pobreza em todas as suas consequências e dimensões. Por isso as prendas que lhe davam, e eram muitas e diversificadas, encontrava sempre maneira de as passar a outrem que julgava mais precisado. A simpleza com que se apresentava e trajava, nada tinha de busca do chamativo, mas era antes consequência natural do seu desapego do acessório. Era a compreensão radical e prática desse espírito de pobreza, um dia assumido por forma inteiramente convicta, para a vida toda: pôr à disposição dos outros quanto temos e somos. Como religioso, dada a sua feição de espírito, viveu sempre uma piedade muito intensa mas através de fórmulas simples, em que a devoção a Nossa Senhora tinha lugar privilegiado, mormente pela recitação do terço repetida várias vezes ao dia. Bonomia nutrida de piedade.
O humor sadio e construtivo que tanto soube cultivar, com a naturalidade sóbria de sempre, muito contribuía para o clima de alegria convivial indispensável ao viver comunitário.
Por estas e por muitas outras razões, a ausência física do Padre Manuel — que Deus chamou a Si pela forma que ele mesmo com certeza mais gostaria, isto é, sem causar incómodo a ninguém — essa ausência continuará a sentir-se dolorosamente por muito tempo entre nós.

José Alves Pires, sj @ Loylola #6
(in Boletim Jesuítas n°278 Jan 2002)