Família
No dia 2 de Junho de 2008, o Padre Evaristo Vasconcelos, apesar de andar já de cadeira de rodas ou com canadianas, manifestou o desejo de presidir à Eucaristia da Comunidade, no Centro Inaciano do Lumiar. E, logo a iniciar, perguntou: “Alguém verificou, na lista dos jesuítas falecidos, quem está assinalado no dia de hoje?” Um de nós foi ver e lá estava: “Evaristo de Jesus Macedo Vasconcellos – 1898 – Colégio de São Fiel”…
Ficámos surpreendidos: era exactamente o seu próprio nome! Ele explicou-nos então que, naquele dia, fazia 110 anos que falecera um seu irmão, jesuíta, com este nome… Entrara na Companhia de Jesus no Noviciado do Barro, a 17 de Outubro de 1890 e viria a falecer com 23 anos de idade, a 2 de Junho de 1898, no Colégio de S. Fiel, no fim do terceiro ano de filosofia. O Pai, enviuvando, casou de novo, decidindo dar ao novo rebento, o mesmo nome, em memória do mano falecido. Esse novo Evaristo, que agora nos deixou a 4 de Junho de 2012, nasceu no Porto, na freguesia de Santo Ildefonso, a 27 de Janeiro de 1914.
Vida na Companhia de Jesus
A 7 de Setembro de 1934, deixando o Seminário Maior do Porto, com três anos de Teologia, dá entrada no Noviciado da Companhia de Jesus em Alpendurada, nas margens do rio Douro. Ali faz um ano de Juniorado, altura em que foi colaborador do Vice-Postulador da Causa de Canonização de São João de Brito, Padre Tobias Ferraz, escrevendo o livro “João de Brito da Companhia de Jesus” (A. I., Porto, 1937).
Em 1937, seguiu para Entre-os-Rios, a fim de terminar os estudos de Teologia no Teologado que ali instalara a Província da Andaluzia, então no exílio. Estudou, depois, três anos de Filosofia em Braga. Ordenado sacerdote a 21 de Setembro de 1940, no Seminário Conciliar de Braga, é destinado, no ano seguinte, ao Instituto Nun’Alvres, onde permanecerá quatro anos como professor e prefeito da 1ª divisão. Em 1945, parte para Granada, para mais dois anos de Teologia, em ordem ao exame ad gradum. Regressa ao Instituto Nun’Alvres como subdiretor e professor. No ano seguinte, dirige-se a Salamanca para a “Terceira Provação”. Terminada esta etapa de formação, é destinado ao Porto, onde se dedica a diversos trabalhos de carácter pastoral. Em 1951, funda e dirige durante sete anos a Revista “Magnificat” (que substitui o “Mensageiro de Maria”, órgão das Congregações Marianas).
Em 1958, é nomeado Reitor do Colégio São João de Brito, em Lisboa. A ele se devem, sobretudo, a primeira grande organização administrativa do Colégio, o incremento da participação das famílias na acção pedagógica do Colégio (jantar gratuito seguido de conferência mensal, festa anual das famílias…) e várias actividades culturais (Círculo Escolar de Cinema, garraiadas…). Também foi pioneiro na oferta do Colégio aos novos sacerdotes jesuítas, para que pudessem ser ordenados em Portugal, a partir de 1961. Em 1962, muda para a residência da Lapa, onde o vamos encontrar como Ministro, Assistente da J.U.C. e noutras actividades pastorais. Em 1965, é chamado a Coimbra, onde assume o cargo de Vice-Superior e Director da Residência universitária. Em 1967, é novamente nomeado Reitor do Colégio S. João de Brito, mas, por problemas de saúde, deixa esse cargo, no ano seguinte, e assume responsabilidades no CEP (Centro de Estudos Psicotécnicos), na Procuradoria das Missões.
A insistência em pedir, aos 53 anos, para deixar o cargo de reitor do Colégio correspondia a um anseio de servir, de forma mais directa a sociedade em geral. A experiência, adquirida no Colégio, de inúmeros cinefóruns e cursos de relações humanas, em Lisboa e noutras cidades, leva-o cada vez mais a interessar-se pelo auxílio psicológico a quem o procurava. Entretanto, colabora como redactor da “Brotéria”, sobre psicologia e cinema, seus temas predilectos. A partir dessa altura, deixa crescer a barba e o cabelo, não destoando dos usos e costumes dos intelectuais da altura. Em 1973, desejando aprofundar os conhecimentos, segue para Boston, onde se dedica a estudos de psicoterapia. Frequenta o Boston College (Universidade), durante dois anos, obtendo o grau de Master em Psicologia (Clinical Counselor). Regressado a Lisboa, é integrado nas comunidades, da Cúria Provincial (1985 a 2001), e do Colégio S. João de Brito (a partir de 2001), começando a actividade de psicoterapeuta e conferencista, orientando dezenas de cursos de Relações Humanas e de Análise Psicossomática, campos em que se torna muito apreciado em todo o País. Nos últimos dez anos de vida, foi afectado por dificuldades de locomoção, sujeitando-se a algumas intervenções cirúrgicas. Conseguiu manter o atendimento a algumas pessoas, mesmo na sua cadeira de rodas, até ao último dia de vida. Veio a falecer, durante o sono, na madrugada de 4 de Junho de 2012, na enfermaria do Colégio São João de Brito, com 98 anos de idade e 77 de Companhia. Foi sepultado no Cemitério do Lumiar.
A personalidade
Era um homem calmo, sensível e delicado. Tinha temperamento de artista, que transparecia nos versos que elaborava com agilidade e bom gosto, nas sínteses psicológicas e intuitivas, admiráveis e profundas, que fazia com toda a naturalidade e também na facilidade com que dominava o teclado, quer do piano e do órgão quer do acordeão. Demonstrou sempre grande capacidade de resistência nas adversidades, fossem de carácter pessoal, comunitário ou social. Tinha o dom de saber transformar os problemas em novos desafios, que sabia confrontar e superar, sempre com paz e alegria, encontrando ou sugerindo para tudo novas pistas. Eram notáveis e consoladoras as ideias certas e límpidas, que conhecia por intuição, adivinhando os desejos dos outros, mesmo sem lhes perguntar. E sem distinção de pessoas. Um autêntico cavalheiro. Homem delicado e dedicado, sábio conselheiro psicológico, manifestou em toda a sua vida uma procura constante do “mais e melhor”, sempre em benefício dos outros, das boas relações entre todos e da maior glória de Deus.
Obras publicadas
Para além dos artigos escritos para a revista “Magnificat” (1951 a 1958) e, mais tarde, para a revista “Brotéria” (1967 a 1973), publicou as obras seguintes: João de Brito da Companhia de Jesus (1937); Pedro Jorge Frassati (1943); Religiosas (1958); Religiosos (1958); Psicologia do Dia a Dia (1983); Arte de Bem Viver (1986); Deus Comigo (1992) – Reflexões sobre o Evangelho para o Retiro Anual e para a oração de cada dia; e Histórias da Vida Real (2008).
João Caniço, sj @ Boletim Jesuítas #346